Archive for fevereiro, 2014
Assuntos decorrentes
Durabilidade da transmissão da bicicleta é sempre um problema. Um pequeno problema em bicicletas de estrada porém um continuo e grande problema para as fora de estrada. A grande diferença entre o desgaste quase sempre gera a mesma resposta: “sujeira”. Porém este não é o único, sequer o principal motivo para o desgaste acelerado nas MTB quando comparado as speeds.
Se suja por pouco
De fato a sujeira tem uma ação negativa nas correntes e engrenagem. Por si só, a presença de partículas de elevada dureza (grãos de areia, por exemplo) formam um comportamento abrasivo conhecido na tribologia como abrasão de três corpos (no nosso caso, a engrenagem e a corrente com um grão de areia entre eles). Isso acarreta a formação de pequenas marcas nas superfícies que aceleram o desgaste.
A sujeira também atua com um outro mecanismo. Ela remove a lubrificação. Sem lubrificação o contato direto do aço/aço gera um atrito muito superior a este contato num meio lubrificado. Como o lubrificante (óleo e graxa) atuam como proteção para corrosão, pode-se dizer que a sujeira também acelera a corrosão principalmente em contato com a água.
O maior motivo pelo desgaste acelerado, porém, está na própria relação de transmissão e nos tamanhos das engrenagens. Em geral encontramos nas MTB coroas menores na pedivela. Os mecanismos de desgaste na corrente e nas engrenagens em consequência disso são os seguintes:
Corrente
Para um ciclista usando uma relação usual de speed – 52/26, coroa e cassete – há uma multiplicação de 2:1. Poderíamos numa MTB obter a mesma multiplicação de 2:1 com 22/11 sem que o ciclista notasse diferença. O torque na roda e na pedivela seriam exatamente os mesmos porém a tração na corrente seria aproximadamente 2,5 vezes maior.
Hipoteticamente pode-se considerar uma relação quadrática entre durabilidade de corrente e sua tração. Dessa forma, uma corrente na relação 52/26 duraria (2,5)² = 6,25 vezes mais que uma corrente na relação 22/11.
A tensão alternante numa corrente, desde que não atinja valores próximos a tensão de escoamento, não provoca o aumento no comprimento como verificamos. Este aumento se dá por desgaste entre o pino (pins) e as placas internas (inner plates) da corrente. Cada vez que a corrente contorna a engrenagem ocorre um giro da placa em relação ao pino. E este giro ocorre com muito atrito fazendo o furo da placa (por onde passa o pino) desgastar e aumentar. A soma de todos estes desgastes faz com o comprimento total cresça bastante. Novamente, por este mecanismo, na MTB o desgaste é acentuado. Engrenagens menores fazem com que este ângulo entre os elos (criado pelo giro da placa em relação ao pino) seja mais fechado. Mais giro, temos mais atrito e consequentemente desgaste mais acentuado.
O fato de haver 3 coroas numa MTB padrão comparada com 2 coroas numa speed padrão também acentua o efeito da tração pois permite um desalinhamento maior e sobrecarrega uma das placas.
Por ter uma coroa menor, temos uma corrente um pouco mais comprida para obter o comprimento certo. É uma contribuição pequena mas 6 elos a mais numa corrente de 100 elos faz ela durar 6% a mais. Bicicletas reclinadas com longas correntes tem sua vida útil maior.
Engrenagem
A tensão alta na corrente gera, como é de se esperar, uma alta tensão de contato entre os rolos da corrente com os dentes da engrenagem. Isso faz com que os dentes gastem por atrito mais rapidamente. Em alguns casos, geralmente na coroa de 22 dentes, pode se verificar inclusive desgaste por deformação, indicando que a tensão de contato superou a tensão de escoamento. Fato que é praticamente impossível de ser verificado numa coroa de speed com mais de 50 dentes, mesmo que sejam de aluminio.
Além disso, a tensão da corrente é distribuída entre os dentes em contato com a mesma. Em geral a coroa fica em torno de 180º em contado com a corrente, ou seja, aproximadamente metade do número de dentes da engrenagem. No nosso exemplo de coroa de 52 (speed) e 22 (mtb) temos a tensão da corrente sendo distribuída em 26 dentes no caso da speed e 11 dentes na MTB. Assim cada dente terá que suportar uma carga muito maior na MTB.
E por, em geral, andar numa velocidade média muito inferior a velocidade média de um speed, caso o RPM do ciclista seja o mesmo, teremos mais rotações da pedivela por quilômetro rodado, se comparado com uma speed.
E o resto
Nos demais componentes ainda verificamos a perda de precisão nos acionamentos em virtude da vibração.
Felizmente as fabricantes de componentes estão partindo para soluções com cassetes com engrenagens de mais dentes (eram 28, mudaram para 30, 32, 34 dentes e recentemente para 36, sendo previsto até 40 para o XTR em 2015) ao invés de diminuir o número de dentes na coroa (que não deverá ser menor que os atuais 22 dentes). Deverá no mínimo compensar a perda da durabilidade por usar correntes mais finas.
Cubos Mágicos IV – Dínamo Shimano
Todos os meios de transporte possuem uma fonte de energia mecânica principal destinada a propulsão do mesmo, mas também possuem equipamentos elétricos auxiliares que precisam ser alimentados.
A solução é utilizar um gerador elétrico que utilize parte da energia mecânica para gerar eletricidade e manter equipamentos secundários operacionais.
Nos carros temos o exemplo mais comum que é o alternador que conecta-se ao motor.
Vintage Dínamo
Antigamente era comum encontrar um equipamento similar nas bicicletas, chamado de dínamo. Ele era conectado por roletes no pneu para acionar um farol. Tecnicamente, tratavam-se de imãs permanentes girando ao redor de bobinas, objetivando aproveitar os efeitos eletromagnéticos e gerar eletricidade. A regulação de tensão era precária ou inexistente (crescendo a tensão de acordo com a velocidade da bicicleta).
A eficiência eletromecânica do dínamo era significativamente baixa. A transmissão por atrito do pneu para o dínamo também incluía muitas perdas. Para completar a ineficiência, eram utilizadas lâmpadas de filamento incandescente que, somadas a ausência de regulação decente de tensão, produziam muito mais calor que luz.
A – antiga – eficiência precária
Dados exatos destes sistemas são difíceis de encontrar, mas é possível dar uma estimativa. É provável que o sistema consumisse algo como 20W da roda para produzir uma iluminação razoável. Considerando que um ciclista urbano pedalando num ritmo tranquilo entre casa/trabalho gaste ao redor de 100W para andar a 20km/h, perder 20W para iluminação é uma valor bastante alto e perceptível – sensação de resistência constante.
Para diminuir este efeito, era possível desacoplar mecanicamente o dínamo da roda quando não se utilizava da iluminação.
Mas um sistema tão rudimentar como esse acabou caindo em desuso. A evolução das baterias (pilhas) e a introdução de iluminação barata com LED de alta eficiência trouxeram uma solução prática para este problema. Seu principal (e talvez único) revés é a necessidade de pilha ou bateria.
Acaba-se caindo em duas vertentes. Ou sistema com grande autonomia e iluminação insuficiente ou grande iluminação e autonomia insuficiente. Além do fato de que comprar pilhas ou recarregar baterias é bastante chato e passível de ser esquecida. E geralmente quando se lembra disso, se está no meio da estrada durante a noite.
Dinohubs
Com a evolução dos semicondutores e dos Cis, a regulação eletrônica e eficiente de tensão e retificação de forma barata começou a ser viável. Imãs permanentes de Neodímio permitiram construção de geradores eficientes mesmo a baixas rotações.
Com estes avanços tecnológicos uma nova classe de dínamos modernos surgiram. Os dinohubs. Ao invés do acoplamento por roletes, este tipo de produto utiliza o próprio eixo e espaço do cubo para alocar o eletrogerador.
Contabilizando fatores que levaram a uma nova popularização de dínamos em bikes:
- Lâmpadas halógenas ou de LED: luminosidade boa com baixo consumo de energia;
- Regulação de tensão: luz constante numa grande faixa de velocidade;
- Localização: instalação no próprio cubo, eliminando as perdas mecânicas dos antigos dínamos.
Há um padrão de 6v3w (e 0,5A) para a saída elétrica do cubo. Com uma eficiência de mais de 85%, gasta-se menos de 4w de potência muscular (bem abaixo dos 20W de antigamente), que torna imperceptível para o ciclista.
Apesar do alto custo, é uma opção de iluminação é muito confortável e segura – sempre pronta para o uso. O funcionalidade do cubo vai além, com uma grande gama de acessórios que utilizam esse padrão (6v3w) para carregar pilhas, celulares e inclusive alimentar alguns sistemas eletrônicos de troca de marchas.
Cubos mágicos III – Shimano Alfine 8
Reminiscências
A linha de cubos com marchas internas da Shimano recebia a nomenclatura de Nexus. Dentre as opções houveram cubos com 3, 4, 5, 7 e 8 marchas. Até o 7, a construção mecânica era muito semelhante aos Sturmey Archer e alguns modelos da Sram/Sachs.
Voltados para o uso urbano e recreativo leve, esses sistemas de transmissão presavam pela baixa manutenção e durabilidade. As trocas não eram tão suaves e deveriam ser feitas sem torque – risco de dano –, além de possuir uma amplitude não muito grande. Por esses motivos era ainda muito distante da performance de um sistema convencional de uma MTB (ex.: Sys basicão, Alívio, Deore …).
Um novo Nexus
Foi somente com a chegada do Nexus 8 que o cenário mudou. Sua amplitude passava de 300%, tornando-o comparável a um cassete. As demais características de confiabilidade e baixa manutenção permaneciam.
O sucesso foi muito significativo. Pouco tempo depois veio a versão premium do Nexus 8, a Red Line. Na sequência a Shimano decidiu por criar uma linha inteira nova de produtos chamada Alfine.
Um tão-novo-nexus-que-é-um-alfine
No Alfine pequenas melhorias técnicas foram realizadas em relação ao Nexus 8. Entre elas está a utilização de rolamentos de agulhas no lugar de algumas buchas nos sistemas planetários da transmissão.
Dessa forma o cubo Alfine 8 deixou o conjunto com alta eficiência mecânica e colocou o sistema com marchas internas num outro patamar. Aproveitando a proximidade dos usuários de MTB, a Shimano inovou e criou um trocador com botões com qualidade e acabamento similar aos mais altos grupos de peças de MTB.
Roller Clutch: embreagem de sobrevelocidade com rolos e uma troca inteligente
Um de seus destaques em relação as demais transmissões internas está a possibilidade de trocar de marcha mesmo recebendo torque. Nem todas as marchas serão trocadas quando se preciona o botão (ou gira o grip shift, ainda disponível) porém o botão pode ser pressionado. A marcha ficará pré-selecionada e será trocada quando o nível de torque reduzir. Nenhuma peça será danificada e o trocador não ficará travado. Diríamos que é a prova de falhas.
Um das razões mecânicas para esse comportamento é a engenhosa utilização de “roller clutch”, ou embreagem de sobrevelocidade com rolos. Resumidamente não há catracas com pinos internamente. São rolos que travam utilizando o atrito ao invés de ressaltos e dentes. Isso garante um acoplamento suave, lembrando muito a troca de marchas de carros automáticos.
Pode-se trocar de marchas com a bicicleta parada, mas a relação selecionada só entrará em funcionamento após cerca de meia volta – decorrente do uso do Roller Clutch.
Outra vantagem deste sistema é a ausência de ruidos. Não chega a ser tão silencioso quanto o Nuvinci, mas está bem superior aos concorrentes de engrenagens (Sturmey Archer 8 velocidades, por exemplo).
Instalação, regulagem e manutenção
A instalação e regulagem é muito simples e voltada para ser feita pelo próprio usuário da bicicleta e se assemelha na forma de fixação do cabo com o Sturmey Archer 8.
A manutenção se resume a relubrificação. É complexa mas não está fora do alcance de uma bicicletaria mediana e há bastante suporte da Shimano para explicar como ela deve ser feita.
Pedala, pedala e amacia
Como os demais concorrentes de marchas internas, verifica-se uma melhor eficiência após uns meses de amaciamento e também uma certa resistência durante os primeiros quilômetros durante um dia frio em função da viscosidade do lubrificante.
Arranjo mecânico
O arranjo mecânico é bastante complexo, o que não confere necessariamente uma distribuição igualitária de espaçamento entre as marchas. Algumas delas são muito próximas entre si (torno de 10%) e outras podem chegar a 20%. Isso torna um pouco desconfortável de pedalar em trechos planos longos pois corre-se o risco de não ficar na relação adequada.
GEAR CHART
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
0.53 (Low) | 0.64 | 0.75 | 0.85 | 1.0 | 1.22 | 1.42 | 1.62 (High) |
Sem dúvida é uma excelente opção para quem está cansado dos sistemas de marcha por descarrilhador e busca algo confiável e eficiênte. Sua aceitação tem sido grande o suficiente para ser utilizado inclusive em MTB e marcando uma nova fase dos cubos de marchas internas.
Cubos mágicos II – Sturmey Archer X-RK8
Não só de Nuvinci vive um homem. Na segunda reportagem da série Cubos Mágicos, a vetarana Sturmey Archer com o não tão veterano X-RK8.
IIª Guerra mundial. Tanque de guerra Tiger I. Esta máquina, fruto de grande primor de projeto e fabricação tornava-se uma obra de arte técnica. Em pouco tempo todo esse refinamento da engenharia alemã refletia-se em uma enorme vantagem bélica sobre os inimigos e consequentemente tornou-se a máquina mais temida da metade da guerra.
No coração deste tanque, habitava a engenhosa transmissão de 8 velocidades. Constituída de 3 conjuntos de engrenagens planetárias permitia robustez com dimensões reduzidas.
Não por acaso esta foi a solução escolhida pelos engenheiros ingleses – e agora chineses – ao conceituar o Sturmey Archer X-RK8. Um projeto muito enxuto, limpo e robusto. Assim como a caixa de câmbio Maybach usada no tanque, este cubo utiliza a combinação de 3 sets de reduções planetárias.
Construção
Cada um destes sets permitia, de acordo com o acionamento de travas, 2 possíveis velocidades. Uma direta (sem acionar a redução) e outra passando pelas engrenagens. Desta forma, com 3 sets em série temos 2³ combinações diferentes. Ou seja, 8 velocidades, seguindo uma lógica de um sistema binário.
Neste cubo todas as reduções são menores que 1, ou seja, são todas multiplicações. Parte-se da relação 1:1 e tem-se uma multiplicação superior a 3:1 na oitava marcha. Este arranjo possibilita a utilização de pedivelas compactas sem comprometer a velocidade final. Entretanto limita uma relação para subidas muito íngremes já que a maior engrenagem comercial para este cubo é 25 dentes e dificilmente se acha uma pedivela com menos de 22 dentes, logo é inviável uma relação mais curta que 22/25.
O acionamento interno ocorre com um came rotativo que ativa, numa determinada sequência, qual set planetário deve ser fixado. Sendo assim, não se pode trocar de marcha sob carga – parado pode.
As engrenagens são do tipo cilíndricas de dentes retos e os acoplamentos de contra recuo (catracas) são de contato positivo, ou seja, com molas e dentes. A soma de acoplamentos com dentes e o uso de engrenagens de dentes retos faz com que este cubo não seja de maneira alguma silencioso. O som é inclusive diferente para cada marcha.
Regulagem e Usinagem
Sua regulagem é muito delicada e sensível. Difícil o suficiente para eu achar que o cubo havia vindo avariado. Nem mesmo a indicação visual estava auxiliando na busca pela regulagem perfeita. Seu arranjo mecânico complexo faz com que, em caso de regulagem incorreta, engate-se marchas aleatórias (por exemplo passar da 6º para a 2º marcha) gerando grandes sustos e confusões.
A decisão de utilizar apenas multiplicações dentro do cubo gera um péssimo efeito colateral: O torque no eixo. Ao contrario dos demais cubos onde a utilização de “torque arm” ou “non-turn washer” é quase facultativa, neste ela é mandatória. Caso contrário o cubo irá girar sobre o eixo. No meu caso optei por projetar e mandar usinar uma peça própria para resolver este problema, embora haja solução comercial no exterior.
Trocas
O trocador gripshift possui um visor numérico, e as trocas são feitas praticamente sem esforço. Pode-se inclusive trocar de marcha apenas utilizando o dedão.
O desengate do cabo de marcha do cubo também é feita com facilidade, sem a utilização de nenhuma ferramente.
Eficiência
A eficiência deve ser a mesma verificada em outros cubos de marchas internas (aproximadamente 85%). Sendo variável de acordo com o número de sets planetários utilizados em cada marcha. Após alguma centena de quilômetros , verifiquei uma melhoria no rendimento e diminuição no ruido, como se tivesse passado por um processo de amaciamento.
Um toque Inglês
Por ser inglês, era esperado alguma característica bizarra. Não demorou muito para eu descobri-la. A porca que fixa o cubo no quadro é na rara, estranhíssima e não comercial medida 13/32”. Ou seja, só encomendando da Inglaterra.
Resolvidos todos os problemas e dificuldades técnicas de instalação, o cubo apresenta uma performance invejável. Suas trocas são extremamente precisar e rápidas – desde que sem carga no pedal. Superior a todos os sistemas de marcha que já testei no quesito velocidade. As relações de marcha são muito bem distribuídas e lineares, sendo constantes em quase todas as mudanças. A exceção fica nos extremos, onde os ingleses investiram em uma relação mais afastada e ampla.
Oferta
Embora a marca Sturmey Archer tenha mais de 60 anos, não é nenhum pouco fácil de se achar conjuntos a venda. Porém seu preço é inferior aos seus concorrentes.
Recomendo o uso para ciclistas com uma experiência média em manutenção e principalmente para pessoas que gostam de máquinas e transmissões, pois trata-se se de um equipamento muito bem construído.
Se quer entender melhor, veja esse vídeo bem explicativo.
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