Assuntos decorrentes
Durabilidade da transmissão da bicicleta é sempre um problema. Um pequeno problema em bicicletas de estrada porém um continuo e grande problema para as fora de estrada. A grande diferença entre o desgaste quase sempre gera a mesma resposta: “sujeira”. Porém este não é o único, sequer o principal motivo para o desgaste acelerado nas MTB quando comparado as speeds.
Se suja por pouco
De fato a sujeira tem uma ação negativa nas correntes e engrenagem. Por si só, a presença de partículas de elevada dureza (grãos de areia, por exemplo) formam um comportamento abrasivo conhecido na tribologia como abrasão de três corpos (no nosso caso, a engrenagem e a corrente com um grão de areia entre eles). Isso acarreta a formação de pequenas marcas nas superfícies que aceleram o desgaste.
A sujeira também atua com um outro mecanismo. Ela remove a lubrificação. Sem lubrificação o contato direto do aço/aço gera um atrito muito superior a este contato num meio lubrificado. Como o lubrificante (óleo e graxa) atuam como proteção para corrosão, pode-se dizer que a sujeira também acelera a corrosão principalmente em contato com a água.
O maior motivo pelo desgaste acelerado, porém, está na própria relação de transmissão e nos tamanhos das engrenagens. Em geral encontramos nas MTB coroas menores na pedivela. Os mecanismos de desgaste na corrente e nas engrenagens em consequência disso são os seguintes:
Corrente
Para um ciclista usando uma relação usual de speed – 52/26, coroa e cassete – há uma multiplicação de 2:1. Poderíamos numa MTB obter a mesma multiplicação de 2:1 com 22/11 sem que o ciclista notasse diferença. O torque na roda e na pedivela seriam exatamente os mesmos porém a tração na corrente seria aproximadamente 2,5 vezes maior.
Hipoteticamente pode-se considerar uma relação quadrática entre durabilidade de corrente e sua tração. Dessa forma, uma corrente na relação 52/26 duraria (2,5)² = 6,25 vezes mais que uma corrente na relação 22/11.
A tensão alternante numa corrente, desde que não atinja valores próximos a tensão de escoamento, não provoca o aumento no comprimento como verificamos. Este aumento se dá por desgaste entre o pino (pins) e as placas internas (inner plates) da corrente. Cada vez que a corrente contorna a engrenagem ocorre um giro da placa em relação ao pino. E este giro ocorre com muito atrito fazendo o furo da placa (por onde passa o pino) desgastar e aumentar. A soma de todos estes desgastes faz com o comprimento total cresça bastante. Novamente, por este mecanismo, na MTB o desgaste é acentuado. Engrenagens menores fazem com que este ângulo entre os elos (criado pelo giro da placa em relação ao pino) seja mais fechado. Mais giro, temos mais atrito e consequentemente desgaste mais acentuado.
O fato de haver 3 coroas numa MTB padrão comparada com 2 coroas numa speed padrão também acentua o efeito da tração pois permite um desalinhamento maior e sobrecarrega uma das placas.
Por ter uma coroa menor, temos uma corrente um pouco mais comprida para obter o comprimento certo. É uma contribuição pequena mas 6 elos a mais numa corrente de 100 elos faz ela durar 6% a mais. Bicicletas reclinadas com longas correntes tem sua vida útil maior.
Engrenagem
A tensão alta na corrente gera, como é de se esperar, uma alta tensão de contato entre os rolos da corrente com os dentes da engrenagem. Isso faz com que os dentes gastem por atrito mais rapidamente. Em alguns casos, geralmente na coroa de 22 dentes, pode se verificar inclusive desgaste por deformação, indicando que a tensão de contato superou a tensão de escoamento. Fato que é praticamente impossível de ser verificado numa coroa de speed com mais de 50 dentes, mesmo que sejam de aluminio.
Além disso, a tensão da corrente é distribuída entre os dentes em contato com a mesma. Em geral a coroa fica em torno de 180º em contado com a corrente, ou seja, aproximadamente metade do número de dentes da engrenagem. No nosso exemplo de coroa de 52 (speed) e 22 (mtb) temos a tensão da corrente sendo distribuída em 26 dentes no caso da speed e 11 dentes na MTB. Assim cada dente terá que suportar uma carga muito maior na MTB.
E por, em geral, andar numa velocidade média muito inferior a velocidade média de um speed, caso o RPM do ciclista seja o mesmo, teremos mais rotações da pedivela por quilômetro rodado, se comparado com uma speed.
E o resto
Nos demais componentes ainda verificamos a perda de precisão nos acionamentos em virtude da vibração.
Felizmente as fabricantes de componentes estão partindo para soluções com cassetes com engrenagens de mais dentes (eram 28, mudaram para 30, 32, 34 dentes e recentemente para 36, sendo previsto até 40 para o XTR em 2015) ao invés de diminuir o número de dentes na coroa (que não deverá ser menor que os atuais 22 dentes). Deverá no mínimo compensar a perda da durabilidade por usar correntes mais finas.
Tags: corrente, transmissão
This entry was posted on quarta-feira, fevereiro 26th, 2014 at 10:30 and is filed under Componentes Mecânicos, Manutenção. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0 feed. You can skip to the end and leave a response. Pinging is currently not allowed.
fevereiro 26th, 2014 at 10:58
mildão says:parabéns
março 1st, 2014 at 20:04
Paulo Eduardo says:Legal, muito esclarecedor!
Tenho usado a bicicleta para mesclar trechos em asfalto e estrada de terra, talvez muito parecido com o uso do odois.org.
Quanto geralmente dura uma corrente para vocês. E se faz a troca da corrente, qual é a quilometragem?
Até mais
março 5th, 2014 at 0:08
thiago says:Depois de mais de 10 anos chegamos a conclusão que… cada caso é um caso. Um passeio com chuva e areia acelera uns 1000km no desgaste. 1000 km no asfalto seco e plano quase não fazem diferença na vida útil. Enfim, eu costumo trocar com uns 1500km somente a corrente. Da para trocar somente quando começa a pular marcha, com uns 5000-7000km mas dai teria qeue trocar cassete, pedivela e corrente.
março 6th, 2014 at 17:24
Paulo Eduardo says:Valeu pela resposta!
Deixei de trocar com 1500.
Agora, com a corrente passando dos 3500 kms, estou prestando atenção para não ficar na estrada e espero que chegue pelo menos a 5000 km. E trocar tudo!
Até mais.